Norris vive momento decisivo na Fórmula 1. Imagine ouvir o seguinte: “sim, esse piloto alcançou metade dos pontos de seu companheiro de equipe na primeira temporada, e 1/3 a menos na segunda, mas ainda assim ele tem potencial para ser mais forte. Mentalmente mais forte”. Você acreditaria nisso? Será que Lando acreditaria? Oscar Piastri?
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É exatamente o caso do par Piastri/Norris. Oscar perdeu na comparação das duas primeiras temporadas na F1, mas aparece bem na terceira e supera o companheiro de equipe desde a segunda corrida do ano em Mônaco. O grid não só se inverteu naquele momento: ficou abalado. Charles Leclerc foi um forte candidato à vitória, por exemplo, uma situação altamente incomum em 2025.
Se é que algo se quebrou dentro de Lando em 2025, ou se Oscar apenas subiu de nível, isso importa principalmente para o próprio Norris: se quebrou, um conserto é possível. Mas também precisará encontrar algo que, ao que parece, jamais teve: a força mental de um piloto de Fórmula 1.

Se você discorda, aqui estão três aspas claramente apontando nessa direção: duas do próprio Lando e uma do chefe da McLaren, Andrea Stella.
— Acho que poderíamos vencer o campeonato se tivéssemos uma temporada perfeita? Não acho — afirmou Lando pós o GP de Las Vegas do ano ado, tendo perdido matematicamente as chances de título.
Para sermos justos, logo em seguida Lando recuou da declaração. Pode ter sido um tipo de mecanismo de defesa: quando se perde alguma coisa, geralmente é mais fácil convencer a si mesmo e aos outros de que você não tinha chances.
Na verdade, essa narrativa começou mais cedo, em Interlagos. Lá, Stella foi na mesma linha após a invertida suprema que sofreram de Verstappen.
—Em termos de Mundial de Construtores, não acho que muda alguma coisa, porque essa sempre foi nossa prioridade — comentou Stella, mostrando que tanto o piloto quanto a equipe não consideravam prioridade o título de Norris. Para os fins desta análise, não precisamos saber com certeza se isso é verdade ou não.
Finalmente, em Suzuka, já em 2025, Norris deu uma longa explicação.
— Só quero aproveitar minha vida. Isso talvez não represente instinto assassino. Só não acho que você precisa disso para ser campeão mundial. Quero provar que você pode ser campeão mundial sem isso — argumentou.
Vilões no paddock da Fórmula 1
As estatísticas não estão ao lado de Norris. Nos últimos 25 anos, apenas três campeões mundiais não tinham uma reputação de vilão no paddock: Kimi Räikkönen (2007), Jenson Button (2009) e Nico Rosberg (2016), e os três só venceram o título uma única vez, nenhum multicampeão nessa lista.
Além disso, no caso de Kimi e Jenson, os ‘bad boys’ vinham na sua cola, como fortes concorrentes até a última corrida. Lewis Hamilton e Michael Schumacher, que juntos venceram mais da metade dos títulos nesses 25 anos, definitivamente não eram conhecidos por serem amigáveis com rivais.
Não custa relembrar: Sebastian Vettel só começou a ganhar a reputação impecável que tem depois de se juntar à Ferrari. Antes disso, notabilizou-se pelos ‘Multi 21’ da vida nos confrontos sobretudo com o então companheiro de equipe Mark Webber. Isso nos diz que, aliás, você pode deixar de ser um vilão. Mas se puder se tornar um, as chances de título aumentam, estatisticamente falando.
Não é exagero dizer que a grande maioria de campeões e chefes de equipe — não só no século XXI, mas ao longo da história da F1 — não concordariam com os raciocínios de Norris e Stella. É como Ayrton Senna e a história do ‘if you no longer go for a gap you’re no longer a racing driver (se você não saltar num espaço que existe, já não é mais um piloto)”. A mesma ideia se aplica a espaços no campeonato, enquanto ainda há uma chance matemática.
Pilotos am horas com jornalistas, todos os fins de semana. Mas com Lando, vemos um padrão. Não se trata de uma frase ou outra em meio a uma enxurrada de entrevistas; em vez disso, observamos consistentemente uma justificação de mentalidade.
Em 2025, Norris, parcialmente devido à atitude de mocinho, não tem nenhum dos dois. Provas? As ultraagens mal pensadas sobre Lewis Hamilton em Jedá, que simplesmente precisavam de melhor planejamento, além de vários outros erros impulsivos. Vilões não precisam se preocupar em serem bonzinhos, e isso ajuda a esfriar a cabeça. Norris não é um deles, e não quer ser. Está o mais perto possível de feliz com o segundo lugar, caso venha com o patch de cara legal na pista.
Enquanto isso, talvez Piastri não tenha uma reputação de vilão, mas pelo menos não promove a gentileza esportiva. Talvez seja devido ao seu mentor, Mark Webber, que conhece melhor que a maioria das pessoas qual é o preço de ser o mocinho nas pistas. Webber concordou em usar o modo de economia de energia — justamente o referido ‘Multi 21’, foi ultraado por Vettel pela liderança em 2013, e então terminou atrás dele no campeonato pelo quatro ano seguidos.
Não é algo fácil de esquecer. Algumas lições aprendidas no início dos anos 2010, que Mark está certamente ando para Oscar. E está funcionando: Piastri é mais decisivo, e por isso está liderando o campeonato. E, veja, Webber não era exatamente um docinho na pista, mas esteve do lado errado da ousadia de uma ordem.
Até mesmo Vettel, que eventualmente se tornou a pessoa mais simpática que você poderia conhecer, um verdadeiro embaixador do esporte e das boas causas, nunca mostrou esse nível de autopiedade ou vitimismo enquanto vivia o auge competitivo.
As palavras de Lando também mandam um sinal para os demais pilotos de Fórmula 1: é mais fácil segurá-lo, ou, em casos raros por conta do desempenho do carro, até ultraá-lo, porque não é malvado. É menos provável que te jogue para fora da pista ou faça alguma manobra agressiva.
O dilema de Norris vai endurecer se ele quiser aumentar as chances que e se tornar um campeão, ou cementar o perfil de cara legal e, consequentemente, número dois. Na Fórmula 1, esse tipo de reputação tende a perdurar.