BRASÍLIA - Em interrogatório no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira (10), o general da reserva Augusto Heleno, réu na ação de penal do golpe de Estado, afirmou que sempre foi “adepto ao voto impresso”, medida defendida por integrantes do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como forma de desacreditar as urnas eletrônicas.

“Mas era um a mais. Não tinha força para transformar aquilo em uma realidade”, ressaltou. Apesar disso, classificou a desconfiança no atual sistema eleitoral como um “problema mundial” e ressaltou que “não havia clima” para usar a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na produção de relatórios com informações falsas sobre as urnas. 

O militar também afirmou que “aceitou” a derrota do ex-presidente para o Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de 2022. “Tinha que aceitar. Não havia outra solução”. 

Augusto Heleno foi ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) no governo Bolsonaro. Ele afirmou que, no cargo, tinha uma “preocupação muito grande” de que o órgão "fosse encarado e fosse sentido como organização apolítica e apartidária”. O GSI é responsável por prestar assistência à Presidência da República em assuntos de segurança. 

“Nunca levei assuntos políticos. Tinha de 800 a 1.000 funcionários no GSI. Nunca conversei com eles assuntos políticos, declarou, no depoimento no STF. 

O ex-ministro negou qualquer discussão sobre golpe com Bolsonaro, a quem atribuiu o compromisso de “jogar dentro das quatro linhas” da Constituição. “Eu segui isso rigorosamente durante todo tempo em que estive na Presidência”, afirmou. Segundo Heleno, “não havia oportunidades” para falar sobre ruptura institucional porque “o próprio presidente, na declaração dele, cortou a possibilidade". 

O general usou seu direito ao silêncio em perguntas feitas pelo relator da ação penal, ministro Alexandre de Moraes, e se reservou a responder apenas a perguntas de sua defesa. A decisão foi informada a Moraes pelo advogado Matheus Milanez logo no início do interrogatório. 

Ex-chefe do GSI falou em ‘virar a mesa’ antes das eleições de 2022  

Augusto Heleno é general da reserva e integrou o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) entre janeiro de 2019 e dezembro de 2022, como ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). O órgão é responsável pela assistência imediata à Presidência da República em assuntos de segurança.  

A Procuradoria-Geral da República (PGR) viu indícios de que Augusto Heleno atuou na estruturação do discurso de desinformação ao sistema eleitoral e de ataque às instituições democráticas, divulgado por Bolsonaro. O ex-ministro também incitou, segundo a denúncia, de plano para descumprir decisões judiciais.  

Também foi atribuída a Augusto Heleno uma fala sobre “virar a mesa antes das eleições” de 2022, quando Bolsonaro foi derrotado. A manifestação aconteceu em uma reunião ministerial em 5 de julho de 2022 e foi gravada. O material foi encontrado pela Polícia Federal (PF) no computador do tenente-coronel Mauro Cid, que foi ajudante de ordens de Bolsonaro e firmou acordo de delação premiada. 

“Não vai ter revisão do VAR. Então, o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa é antes das eleições”, disse Heleno na reunião. Nesta terça-feira, ele afirmou que a fala foi feta em sentido figurado. 

O general virou réu no STF em 26 de março pela suposta trama golpista. Ele foi apontado pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, envolvimento em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Somadas, as penas podem chegar a 43 anos de prisão.    

Em mais de uma ocasião, o ex-ministro negou ter participado de qualquer articulação golpista contra o resultado das eleições. “Não houve golpe. Para caracterizar uma tentativa de golpe num país de 8,5 milhões de quilômetros quadrados com mais de 200 milhões de habitantes, é preciso uma estrutura muito bem montada”, disse em setembro de 2023 no Congresso Nacional.  

No recebimento da denúncia pelo STF, o advogado de Heleno, Matheus Mayer Milanez, não negou que houve crimes, mas alegou que seu cliente não participou de nenhum deles.