Um grupo de WhatsApp, no qual estavam 31 integrantes da alta cúpula da segurança pública do Distrito Federal, revela a omissão das autoridades para coibir os ataques aos Três Poderes, em 8 de janeiro do ano ado. As mensagens foram obtidas pelo Estadão e pelo portal G1.
A troca de mensagens mostra que parte dos integrantes, a maioria ligada ao então secretário da Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres, ignorou relatórios da equipe de inteligência sobre os riscos da mobilização, que segundo mostrou a PF, tinha a intenção de dar um golpe de Estado.
Os textos também apontam para uma desatenção do governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), nas horas que antecederam os ataques aos prédios dos Três Poderes.
No dia anterior, 7 de janeiro, um servidor identificado como capitão Júnior, ligado à inteligência da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), alerta para a chegada de 84 ônibus em Brasília. Nesse mesmo dia, a delegada Marília Alencar, chefe da seção de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do DF, informou sobre a ida de um grupo de Goiânia, que fazia apologia ao assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Quésia não embarcou. Ficou só na organização, mas pode ser que venha depois, até de carro, dada a proximidade Goiânia-Brasília. Estão trazendo ao menos 4 pés de cabra. Apologia ao assassinato do PR (presidente da República)”, escreveu a delegada. Quésia não está na lista de pessoas presas pelas autoridades, só é especificada como uma líder dos movimentos.
Durante a tarde de 7 de janeiro de 2023, o mesmo capitão Júnior alertou para o comportamento ameaçador de alguns manifestantes acampados em frente ao QG. “O cara do carro está inflando o pessoal. Tá vindo gente do QG (acampamento de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro em Brasília) pra cá tbm. Tá ficando quente aqui. Geral com gritos de ‘vamos fechar tudo’. Animosidade alta”, enviou.
Minutos depois, o militar informa que o bloqueio feito pela Polícia do Exército não conteve as pessoas mais radicais. Durante a tarde, houve uma reunião da cúpula da Polícia Federal para discutir a situação, mas não houve mudança no protocolo de segurança.
A situação chegou a ser compartilhada pela coronel Cíntia de Castro, subsecretária de Operações Integradas da Secretaria de Segurança Pública do DF, por meio de um vídeo gravado pelos manifestantes. "Vai sair todo mundo para ir para a Esplanada. Vamos fazer isso hoje, não sei que horas. E amanhã, domingo, e segunda-feira também. O Exército está do lado do povo, cuida, está ajudando. Se estivesse contra, não estaria deixando a gente armar barraca. Tem comida, tem banheiro, tem de tudo aqui”, dizia o homem na gravação.
Às 23h17, o secretário-executivo da Segurança Pública do DF Fernando Oliveira escreveu: “Senhores/as, qual a última parcial das ruas? Tudo dentro da normalidade, do esperado?”. Marcelo Casemiro, coronel da PMDF que está preso, respondeu que não havia problemas. “Tudo normal. Sem problemas. Estamos atentos nas ruas, PMDF em condições. Todos bem orientados”, garantiu.
8 de janeiro
Diante de todos os sinais do dia anterior, o 8 de janeiro começou com uma mensagem do coronel Jorge Henrique Pinto, do setor de Inteligência da SSP-DF. Ele avisou que a caminhada do grupo acampado em frente ao QG aconteceria após o almoço. “Alguns incrementam os discursos dizendo que não devem mais jogar nas quatro linhas da CF (Constituição Federal)”, escreveu.
“Estão conclamando mais pessoas pelos grupos de Whatsapp”, avisou o capitão Júnior, da Inteligência do DF, às 10h16. “Acabaram de falar que vão esperar MUITAS caravanas que estão chegando e pediram pra ninguém descer individualmente", completou.
Apesar dos relatos, a estratégia não mudou. O secretário-executivo Fernando Oliveira enviou uma gravação de áudio ao governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), dizendo que “não há nenhum informe de questão de agressividade” e que estava tudo “bem tranquilo, bem ameno, uma movimentação bem suave e manifestação bem pacífica”.
Nas ruas, porém, a situação era outra. O chefe do policiamento de trânsito, coronel Edvã escreveu no grupo que havia pessoas treinados entre os manifestantes. "Cerca de 10 pessoas que se identificaram como militares ou reservistas. Vão traçar táticas e estratégias de combate, com discurso violento”, escreveu.
Depois, o mesmo coronel detalhou que essas pessoas traziam um estilingue e um bambu para usar contra as forças de segurança. Após os relatos de deslocamento, o representante da Segurança do Senado, Gabriel Dias, questionou os outros integrantes das forças, no grupo: “Está havendo revista na barreira?”. Novamente, não houve resposta. “Ripas com pregos, altura do primeiro ministério norte, logo após a linha de revista. Há pessoas portanto fogos de artifício em mochilas.”, afirmou o capitão Júnior.
Responsável pelos principais alertas no dia anterior e no dia 8 de janeiro, o militar identificado como capitão Júnior enviou 14 mensagens entre 15h28 e 16h01 para descrever as ocorrências na praça dos Três Poderes. "Invadiram a (via) S1. Correndo em direção ao STF. Três pessoas aparentemente feridas próximo ao STF. Estão invadindo a área do STF pela retaguarda”, escreveu.
"Atualização: manifestantes quebraram os vidros e invadiram o Salão Branco do STF. Invasão do Supremo ocorrendo. Diversos manifestantes subindo. Muita gente descendo N1 e S1. Destruição no Planalto. Manifestantes vibrando com a invasão ao STF. Escreveram: Perdeu mané!. STF totalmente tomado. Depredação do prédio todo", completou.
Dos integrantes dos grupo de WhatsApp estão presos o major Flávio Alencar, subcomandante do 6º batalhão, e os coronéis Casimiro e Fábio Augusto.
Outros lados
Em resposta ao Estadão, a SSP-DF informou somente que “não comenta sobre investigações em andamento”. A PM não deu retornos. A reportagem fez contato com advogados do secretário-executivo Fernando Oliveira e a coronel Cíntia de Castro, mas eles não deram retorno.
O advogado do coronel Casimiro não foi localizado. Em depoimento à I do DF, o coronel afirmou que não era o comandante da operação de segurança do evento, não recebeu relatórios de inteligência e apenas delegou o comando.
Aos deputados, o delegado Fernando, secretário-executivo da SSP-DF, afirmou que houve erro da Polícia Militar ao executar o planejamento. “A PM deveria manter reforço de efetivo nas adjacências, nos prédios públicos, na rodoviária e em todo perímetro. Era para manter todo o reforço de efetivo. As ações acordadas na sexta-feira não foram cumpridas”, disse.
A coronel Cíntia, subsecretária da pasta, afirmou à I que não houve falha no planejamento, mas na execução dele por parte da PM. “Foi realizado (o planejamento) considerando o nível máximo de ameaça. Não houve falha no planejamento. Houve falha na execução”, afirmou.