O meio político e jurídico de Brasília parou para assistir ao desfile dos protagonistas do suposto plano golpista de 2022, desta vez sem paletó bordado, sem gabinete, sem comando de tropas. 

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) virou palco de um tipo diferente de exposição: a do corpo desconfortável diante de perguntas incômodas. E bastava olhar – mais do que ouvir – para entender o clima que rolava por ali, no início desta semana.

Delator do plano, Mauro Cid entrou calado e de cabeça baixa, como quem tenta se encolher dentro do próprio terno. Acostumado a receber ordens e sussurrar recados no ouvido do então presidente, o tenente-coronel parecia pequeno entre os engravatados. 

Cada vez que alguém dizia que ele mentiu na delação, o rosto tremia um centímetro. E lá estava o ex-presidente Jair Bolsonaro, do outro lado da sala, com os braços cruzados, observando – sem piscar – o ex-ajudante que tanto o serviu e hoje o incrimina.

Aliás, Bolsonaro foi um capítulo à parte. Antes de começar o interrogatório, parecia a antítese do que por quatro anos fora com jornalistas no cercadinho do Palácio da Alvorada: simpático, sorridente, circulando entre assessores e estudantes como quem faz campanha. Mas, quando a sessão engrenou, fechou o semblante, cruzou os braços e ou a maior parte do tempo com a mão cobrindo a boca. Só tirava os olhos de Mauro Cid para conferir as reações dos demais – como quem faz um placar silencioso.

Anderson Torres, por sua vez, não parecia aquele ex-ministro durão, delegado da PF, que empunhava caneta na segurança pública. De tornozeleira eletrônica sob a meia preta da perna esquerda e olhar fixo na madeira da bancada, respondeu às perguntas do ministro Alexandre de Moraes com voz baixa e frases não muito longas. Parecia mais um funcionário pego de surpresa pelo chefe do que o homem que assinou portarias cruciais nos últimos dias do governo.

Entre todos os réus, um parecia especialmente à vontade: Alexandre Ramagem. Ex-diretor da Abin, delegado da Polícia Federal e agora deputado federal, Ramagem manteve a cabeça erguida, com postura de quem ainda se vê no comando. Circulava com desembaraço pelo plenário nos intervalos, cumprimentava quem o abordava sem cerimônia e, num gesto que quebrou o protocolo, chegou até a comer ali mesmo, em pleno espaço reservado à sessão — onde era proibido se alimentar. Não parecia um investigado diante do Supremo, mas um anfitrião em visita guiada.

Os militares da ativa e da reserva também mostraram que farda pesa – mesmo fora dela. O almirante Almir Garnier manteve a compostura, mas se emocionou ao lembrar seus mais de 50 anos de Marinha. Já o general Paulo Sérgio, ex-ministro da Defesa, estava com cara de quem só queria ir embora. Reclamou do advogado, da pergunta repetida, do cronograma. Nem tentou disfarçar tanta irritação.

Augusto Heleno, sempre lembrado como o conselheiro mais fiel de Bolsonaro, entrou franzino e saiu tagarela. O advogado tentava cortar, mas Heleno emendava respostas com comentários espontâneos. A idade e a fragilidade física contrastavam com a imagem austera que construiu ao longo da carreira. Walter Braga Netto, o único preso, participou por videoconferência — e parecia mais relaxado do que todos os outros. Sorria, em meio aos dois advogados e, caso estivesse com um cafezinho na mão, dava até para esquecer que falava de dentro de uma prisão militar.

No final de dois dias de perguntas e respostas, a cena deixava uma certeza: ninguém saiu ileso do interrogatório. Se a estratégia era se defender falando pouco, alguns falaram com o corpo inteiro. E para quem conhece os bastidores de Brasília, ficou a sensação de que esse julgamento já começou – ainda que o tribunal nem tenha batido o martelo.

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Liderados pelo deputado Zucco (PL-RS), cinco parlamentares bolsonaristas tentaram furar o cerco da segurança do STF para assistir ao interrogatório de Bolsonaro como quem chegava à área VIP. Sem credenciais, foram barrados na entrada do prédio anexo. Zucco, exaltado, tentou usar o “crachá” de deputado como e livre, esbravejou contra os policiais judiciais e disse que aquilo era um ‘ataque ao Parlamento’. Não adiantou. Os deputados voltaram por onde vieram.

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A segurança no plenário virou quase cena de filme: 60 policiais judiciais. O foco era garantir a proteção de Alexandre de Moraes e do procurador-geral Paulo Gonet, alvos dos réus. Para evitar arremessos, as cadeiras dos interrogados foram amarradas. Microfones, presos com lacres; copos de vidro e xícaras de porcelana, substituídos por versões de papel. Moraes achou demais e ordenou: “Tirem os lacres, aqui não é presídio”. 

 

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Assim que Bolsonaro entrou no plenário, um grupo de iradores chamou atenção: servidores do STF que atuam na Primeira Turma, da qual Alexandre de Moraes faz parte, e do cerimonial da Corte tietaram o ex-presidente, crítico do ministro. Sorrisos, elogios e celulares em punho. A foto foi feita. Pouco depois, vieram os pedidos aflitos ao APARTE: “Será que dá pra apagar a imagem? Ou a gente perde o emprego”, cochichou um assessor à reportagem.